Ludwig von Mises foi um dos mais not�veis economistas e fil�sofos do s�culo XX. Nascido em um territ�rio que � �poca (1881) pertencia ao Imp�rio Austro-H�ngaro, doutorou-se em direito e economia e lecionou na Universidade de Viena por muitos anos. L� tamb�m foi onde ele manteve um semin�rio que era considerado como o centro do debate econ�mico da cidade. Por duas d�cadas e meia, Mises foi o principal conselheiro econ�mico do governo austr�aco na C�mara de Com�rcio de Viena, tendo contribu�do de forma decisiva � queda da infla��o do pa�s. Ele dizia que sua fun��o l� era �dizer o que os pol�ticos n�o poderiam fazer�.
Preocupado com a influ�ncia nazista na �ustria, o economista teve de fugir para Genebra e, posteriormente, tornou-se refugiado nos Estados Unidos, onde lecionou na Universidade de Nova York. Entre seus 47 livros publicados, As Seis Li��es tem como grande m�rito a exposi��o de forma clara, simples e singela de temas complexos que resumem um conjunto de explica��es intuitivas dos princ�pios b�sicos da pol�tica econ�mica. Entre eles est�o, por exemplo, a propriedade privada e o livre com�rcio; c�mbio, pre�os, juros e poupan�a; al�m de investimento, moeda, infla��o, socialismo, fascismo e intervencionismo.
A origem de As Seis Li��es
Esses temas est�o reunidos em seis cap�tulos que reproduzem confer�ncias realizadas em 1959 na Universidade de Buenos Aires, que foram gravadas e, posteriormente, transcritas e publicadas em livro ap�s sua morte.
As palestras foram feitas em um per�odo posterior � deposi��o de Juan Domingo Per�n, que tinha governado a Argentina ao longo de mais de uma d�cada em duas oportunidades, implementando pol�ticas que sedimentaram intervencionismo, recess�o e uma cultura coletivista. Apesar de fora do poder, quem governava o pa�s eram presidentes militares que seguiam a mesma linha, com o pa�s mergulhado em crise econ�mica, pol�tica e institucional.
Dessa forma, o tom enf�tico da obra foi cuidadosamente feito para alertar sobre os perigos do intervencionismo e atacar o populismo, mesmo que a despeito de l�deres carism�ticos, ao passo que demonstra os m�ritos das institui��es de mercado, da propriedade privada e da liberdade sem os rigores t�picos do academicismo.
O processo � conduzido por seis li��es que poderiam ser tidas como ensaios �nicos, mas que juntas auxiliam na compreens�o da intera��o entre as for�as de mercado e a interven��o governamental, entre liberdade e coer��o.
Capitalismo
Ao explicar o capitalismo, Mises demonstra a import�ncia do livre mercado, da divis�o do trabalho e do investimento de capital privado para a prosperidade. Al�m disso, ele argumenta que a melhor pol�tica econ�mica � aquela que limita o governo a criar condi��es que permitam aos indiv�duos perseguirem seus pr�prios objetivos e viverem em paz, desde que um n�o infrinja a liberdade de terceiros. A obriga��o do governo seria proteger a vida e a propriedade para permitir que as pessoas desfrutem da liberdade e da oportunidade de cooperar e de efetuar trocas entre si, fornecendo a base para que o capitalismo possa florescer. Dessa forma, o Estado precisa ser uma estrutura institucional que crie incentivos virtuosos, com os indiv�duos passando a se preocupar com a poupan�a, o ac�mulo de capital, a inova��o, al�m de experimentar, produzir e aproveitar as oportunidades. Assim, ao passo em que o governo garante os direitos dos indiv�duos de terem liberdade, as pessoas passam a trabalhar, cooperar e comerciar entre elas.
O autor ataca o Antigo Regime, que fora substitu�do pelo livre mercado, e aponta que neste sistema h� mobilidade social, por meio da qual um indiv�duo pode prosperar. Isso se daria a partir do atendimento de demandas, produzindo e ofertando produtos de melhor qualidade e mais baratos. � assim que, em uma economia de mercado, os consumidores s�o soberanos.
Ele cita tamb�m o Milagre Econ�mico Alem�o p�s-Segunda Guerra Mundial, per�odo em que a renda do pa�s em reconstru��o se multiplicou, como um dos produtos de sucesso do capitalismo.
Socialismo
Ao tratar do socialismo, Mises enfatiza como o socialismo seria desastroso para a economia diante da aus�ncia da propriedade privada e da moeda. A exposi��o da li��o � um grande resumo de sua obra Socialismo: Uma An�lise Econ�mica e Sociol�gica (1922), que � reconhecida pelo mainstream acad�mico contempor�neo como sua maior contribui��o. Ele protagonizou o Debate do C�lculo Econ�mico Socialista, argumentando pela impossibilidade da realiza��o do c�lculo econ�mico a partir de um conselho centralizado socialista planejar o sistema econ�mico moderno.
Afinal, para haver c�lculo econ�mico � preciso que existam pre�os, cuja fun��o � a transmiss�o de informa��es; para que existam, � necess�rio haver mercado, que pressup�e a propriedade privada dos meios de produ��o. Ao suprimir esta �ltima, o sistema passa a se guiar �s cegas.
Liberdade Econ�mica
Uma das li��es de Mises se d� em rela��o � essencialidade da liberdade econ�mica para haver liberdade individual. Ele critica a ideia de que seria poss�vel haver liberdade de express�o, de pensamento, de imprensa, de culto e do devido processo legal na aus�ncia de liberdade econ�mica. Para Mises, em um sistema desprovido de mercado, em que o governo determina tudo, todas essas outras liberdades s�o ilus�rias, �ainda que postas em forma de lei e inscritas na constitui��o�.
Um exemplo hist�rico ocorreu no Imp�rio Otomano, em que o estabelecimento religioso e os sult�es temiam a destrui��o criativa resultante da dissemina��o de ideias, que poderiam ser subversivas e desafiar o status quo pol�tico e social existente. Assim, a prensa tipogr�fica foi proibida.
Outro exemplo, mais atual, se deu na pr�pria Argentina quando a ent�o presidente Cristina Kirchner tentou censurar a imprensa em 2011 � � �poca, j� um dos pa�ses com menor liberdade econ�mica da Am�rica Latina. O mecanismo adotado se deu a partir do controle da produ��o e venda de papel a jornais, um ataque � liberdade de imprensa e � expropria��o da propriedade privada, em especial do principal ve�culo argentino, cr�tico ao governo.
Intervencionismo
Mises demonstra que a soberania do consumidor n�o existe no socialismo, cujo poder � transferido para o comit� de organiza��o central. Al�m disso, explica que sob o intervencionismo, o governo obriga os homens de neg�cios a conduzirem suas atividades de maneiras diferentes das que escolheriam caso tivessem de obedecer somente �s necessidades dos consumidores refletidas pelas demandas.
Nesse ponto, vale destacar que a ci�ncia econ�mica evoluiu muito desde a d�cada de 1960 e que em As Seis Li��es Mises n�o trata de conceitos como externalidades positivas e as externalidades negativas. Assim, quest�es que exigem algum n�vel de atua��o governamental, como polui��o do ar, mudan�a clim�tica antropog�nica, riscos banc�rios sist�micos, assimetrias de informa��o para consumidores, congestionamento de tr�fego, entre outros, s�o negligenciados. A obra trata apenas de falhas de governo, enquanto ignora-se falhas de mercado.
Igualdade e mercado
Mises foi um cr�tico do igualitarismo coercitivo em um per�odo em que o senso comum da �poca entendia que a justi�a social necessitava de distribui��o de renda. Por esse motivo, lutava contra o sindicalismo, destoando de progressistas da Ci�ncia Pol�tica, que acreditavam se tratar de um elemento essencial da democracia.
Em As Seis Li��es, o economista austr�aco tamb�m ataca o controle de pre�os, que gera �gio nos casos de fixa��o de pre�os m�ximos.
Mises, cuja trajet�ria de combate ao inflacionismo se dava desde o per�odo de sua vida em Viena, critica ainda a expans�o agressiva da moeda, do cr�dito e dos or�amentos governamentais, apontando que eles n�o geram prosperidade � pelo contr�rio: somente diluem o poder de compra de cada unidade monet�ria. H� ainda considera��es acerca do falso dilema entre infla��o, crescimento e desemprego, e Mises sustenta que a melhor pol�tica para a infla��o � a limita��o dos gastos p�blicos.
A lideran�a austr�aca defende que pa�ses emergentes devem buscar a capta��o de investimentos estrangeiros como forma de se desenvolver, al�m de criticar o protecionismo.
Considera��es finais
Por fim, Mises defende a import�ncia das ideias e que tudo o que ocorre na sociedade � fruto delas, sejam boas ou m�s. Ele afirma que os pa�ses s�o dominados por grupos de interesses, que disputam privil�gios pela via pol�tica em detrimento dos demais, ao passo em que �s�o poucos aqueles que se dedicam na defesa do chamado bem comum�.
Assim, para ele � essencial o combate �s ideias ruins a fim de substitu�-las por outras melhores. Destaca, em especial, a viol�ncia sindical, o confisco da propriedade, o controle de pre�os, a infla��o e outros males que nos assolam. Mises foi chamado de o �ltimo cavaleiro do liberalismo porque jamais abriu m�o de suas convic��es, mesmo em um per�odo de ascens�o das ideias intervencionistas. Talvez, mais do que suas ideias ou a clareza com que as transmitiu em As Seis Li��es, seu maior legado seja justamente este exemplo.