Em 2019, a comiss�o especial da C�mara dos Deputados que discute a reforma da Previd�ncia recebeu 277 sugest�es de modifica��o no texto. Muitas delas foram feitas por influ�ncia de grupos de interesses, compostos por categorias que buscam condi��es especiais para si. Qualquer cidad�o pode chamar a aten��o dos poderes p�blicos para alguma quest�o ou situa��o. � o chamado �direito de peticionar�, classificado como rent-seeking pela ci�ncia pol�tica e popularmente conhecido como �lobby�. Embora esse tipo de movimenta��o seja leg�tima, n�o significa que elas sejam saud�veis para quem amarga o valor da conta.
Isso porque o lobby pode ser usado para pressionar autoridades pol�ticas a chancelarem privil�gios. Por exemplo, pedindo a restri��o ou mesmo a proibi��o que outros agentes constituam concorr�ncia em determinado setor. Quando um grupo consegue, por exemplo, dificultar que empreendedores atuem em certos mercados, quem realizou o lobby passa a ter maiores oportunidades de obter lucros. Assim, caso seja bem-sucedido, pode resultar em uma transfer�ncia de renda significativa da popula��o para estes grupos.
Portanto, entender em que contextos esse fen�meno ocorre � fundamental para compreender o funcionamento das institui��es.
O rent-seeking de taxistas x motoristas de aplicativos
Um exemplo da for�a de um grupo de interesses citado pelo economista e diretor do Instituto Adam Smith, Eamonn Butler, � o dos taxistas de Nova York. Antes da ascens�o dos aplicativos de mobilidade, como a Uber, havia uma legisla��o que fixava o limite de 13 mil t�xis para atender aos mais de 8 milh�es de moradores da cidade. Contudo, oito d�cadas antes, quando a cidade tinha uma popula��o menor, a legisla��o da �poca permitia o dobro de motoristas de t�xi, 26 mil. Como era proibida a entrada de novos concorrentes, � medida que a popula��o aumentou e as permiss�es diminu�ram, os pre�os ficaram artificialmente mais altos. Assim, foi garantido aumento de renda para quem atuava no mercado.
A for�a do grupo dos taxistas tamb�m foi sentida no Brasil. Com dezenas de projetos de lei em todo pa�s que buscavam proibir aplicativos de mobilidade urbana como a Uber, a 99 e o Cabify, ou mesmo regulamentar a atividade. Em maio de 2019, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucionais leis municipais que proibiram o aplicativo.
Dessa forma, o rent-seeking distorce as decis�es p�blicas e, em troca, distorce o mercado, reduzindo a competi��o, de modo que pequenos grupos s�o beneficiados e acabam causando preju�zo � comunidade em geral.
De acordo com estudos do economista Gordon Tullock realizados desde os anos 1960, o ganho potencial de uma atividade de rent-seeking � t�o significativo que faz todo o sentido que grupos de interesse passem muito tempo investindo na tentativa de garantir privil�gios. O problema � que isso pode resultar em atividade improdutiva, com perdas para a economia do pa�s. Tempo, esfor�o, dinheiro, habilidade e vis�o empreendedora de muitas pessoas talentosas s�o desperdi�ados ao longo do processo. O comportamento da busca por renda pol�tica, nesse contexto, n�o produz nada de valor para a comunidade.
Benef�cios concentrados e custos difusos
Todo pol�tico � eleito por determinado tipo de eleitorado, cujos interesses precisa buscar atender, para ser reconduzido ao cargo e manter-se no poder. Assim, ele tende a buscar a aprova��o de legisla��es ou a alocar recursos que beneficiem o grupo que representa, mesmo que isso prejudique os demais setores da sociedade.
Um exemplo de como minorias organizadas preponderam sobre maiorias desorganizadas foi a pol�tica de Campe�es Nacionais, capitaneada pelos governos Lula e Dilma Rousseff, por interm�dio do BNDES. Entre maio de 2007 e maio de 2016, o custo dessa iniciativa foi de R$ 1,2 trilh�o.
Essa pol�tica foi paga por todos os 200 milh�es de brasileiros, tendo custado menos de R$ 6 por ano para cada um durante o per�odo. Se, por um lado, h� poucos incentivos para um brasileiro ir �s ruas para protestar por causa dos empr�stimos do BNDES � uma vez que esses empr�stimos custar�o, individualmente, um valor inferior ao pre�o da passagem de �nibus at� os protestos � h� muitos incentivos para que uma empresa como a Odebrecht, que recebeu mais de R$ 18 bilh�es do banco, investisse em lobby para pressionar autoridades pol�ticas, a fim de obter a aprova��o desses valores subsidiados. O mesmo vale para a JBS, beneficiada com mais de R$ 7 bilh�es; FIAT (cerca de R$ 10 bilh�es); Andrade Gutierrez (R$ 5,3 bilh�es) e tantas outras.
Embora a Opera��o Lava-Jato tenha mostrado que muitas dessas opera��es foram realizadas gra�as ao pagamento de propinas, a mesma l�gica se aplica a negocia��es e aprova��es l�citas. Ou seja, a busca por renda pol�tica pode custar muito caro para a sociedade, mas n�o � necessariamente assunto de C�digo Penal.
Leis e salsichas: n�o queira saber como s�o feitas
Como a “busca por renda pol�tica”, tradu��o do termo cient�fico rent-seeking, � inerente � pol�tica, o jornalista pol�tico Patrick Jake O�Rourke popularizou a frase �quando compra e venda s�o reguladas por lei, a primeira coisa a ser comprada e vendida s�o os legisladores�.
Os pol�ticos, no entanto, n�o reagem apenas passivamente �s demandas de grupos de interesses. Assim como se empreende no mercado, autoridades pol�ticas tamb�m podem empreender na pol�tica, aproveitando-se de oportunidades para obter algum tipo de ganho. Entre as formas poss�veis de se fazer isso, consta a chamada �rent-extraction, ou extra��o de renda, express�o cunhada pelo economista e professor da Universidade de Miami, Fred Mcchesney. Trata-se de uma esp�cie de extors�o feita pelos pol�ticos. Nesse caso, eles conseguem vantagens n�o para legislar em defesa de um grupo, mas para que suas amea�as de atrapalh�-los n�o sejam postas em pr�tica.
Para se ter ideia de quanto lobby foi feito na elabora��o da Constitui��o Federal de 1988, o cientista pol�tico Murillo de Arag�o mapeou a participa��o de pelo menos 383 grupos de press�o e entidades p�blicas e privadas. O n�mero pode ser ainda maior, j� que n�o havia obrigatoriedade de identifica��o do grupo.
Um dos grupos de interesses mais fortes da �poca eram os militares, que acompanharam de perto todo o processo da constituinte. Em um momento em que muitos integrantes das For�as Armadas ainda eram contr�rios � redemocratiza��o, diversos militares ainda atuavam no dia a dia da pol�tica nacional. Segundo Jos� Sarney, presidente da Rep�blica durante o processo de elabora��o da Constitui��o, quando o constituinte Bernardo Cabral tentou mudar a reda��o do que veio a ser o artigo 142 da Constitui��o Federal, dispositivo que trata do papel das For�as Armadas � desfazendo o acordado antes do in�cio da elabora��o da Constituinte �, houve �riscos reais de novo golpe militar�, o que indica o poder de influ�ncia que os militares tiveram no evento.
Quem manda no Congresso?
Um estudo que analisou todas as participa��es em audi�ncias p�blicas e semin�rios nos anos de 2011 e 2012 mostrou quais foram os grupos mais atuantes e influentes no Congresso Nacional nesse per�odo.
Entre as centenas, destacaram-se sindicatos, grupos de direitos civis, minorias raciais, entidades de portadores de doen�as ou deficientes, agroneg�cio, entidades profissionais e de sa�de. O levantamento concluiu que 14 grupos de interesses (1,43% do total) se destacaram pela maior capacidade de mobiliza��o e articula��o. Eles demonstraram o poder de coletar e repassar informa��es, incitando pessoas e outras organiza��es, al�m de canalizarem recursos para fazer valer seus interesses.
Metade deles � composta por centrais sindicais (CTB, CUT, CONLUTAS, NCST, UGT) e suas organiza��es afiliadas (DIEESE e FST). O movimento de trabalhadores se destaca ainda pela atua��o de sindicatos e associa��es de funcion�rios p�blicos. Como, por exemplo, a SINAIT (auditores do trabalho), ANPT (procuradores do trabalho), a ANAMATRA (ju�zes do trabalho) e a ANFIP (auditores fiscais), al�m de uma associa��o de aposentados (COBAP). Dois grupos empresariais, a CNI e a CNC, tamb�m merecem men��o. Isto �, o lobby dos trabalhadores � muito superior ao de grupos empresariais.
Rent-seeking n�o � crime
O lobby muitas vezes assume conota��o pejorativa, sendo associado a atividades criminosas e de corrup��o. Embora atividades il�citas possam ocorrer a partir dessas movimenta��es, n�o significa que todo lobby resultar� em negociatas.
O lobby pode ser expl�cito, como no caso da participa��o de grupos organizados em audi�ncias p�blicas, protestos e envio de mensagens a autoridades. J� o lobby impl�cito pode ocorrer de todas as formas poss�veis; nos bastidores, em gabinetes de autoridades, corredores do Congresso e eventos de entidades que convidam autoridades, por exemplo.
A regulamenta��o do lobby � discutida h� cerca de quatro d�cadas no Congresso brasileiro. Neste per�odo, j� foram apresentados aproximadamente 30 projetos sobre a mat�ria. Antes da pandemia, o governo Bolsonaro estudava uma proposi��o legislativa inspirada no modelo chileno, criando regras de maior transpar�ncia nas rela��es entre agentes privados e p�blicos.
E o que pode ser feito?
Para Bruno Carazza, o rent-seeking ser� maior quanto mais oportunidades de neg�cios o Estado oferecer. �Quanto mais opaco for o processo de concep��o de pol�ticas p�blicas, maiores as chances de um comportamento rent-seeking por parte de grupos de interesses�, complementa o autor de Dinheiro, elei��es e poder: As engrenagens do sistema pol�tico brasileiro.
Adriano Gianturco vai al�m. �[O rent-seeking] � inerente n�o s� � pol�tica, mas aos seres vivos, seres humanos e outras esp�cies. Estamos falando de parasitismo. Em portugu�s pode ser um termo muito ruim, com uma conota��o negativa, mas o rent-seeking, em ess�ncia, � isso. Ele existe em todas as esp�cies de animais, fungos, sanguessugas, h� entre vegetais tamb�m. E h� autores que tratam isso, como Gianfranco Miglio, Alessandro Vitale, Nicola Iannello�, diz.
Autor de A Ci�ncia da Pol�tica, Gianturco explica que �� tend�ncia do ser humano optar pelo poder e viver �s custas dos outros, o que � chancelado a partir do Estado�. Ele analisa que o Estado � o ente que oferece �uma s�rie de oportunidades de free-riding� (com indiv�duos e grupos vivendo �s custas dos demais). �Os grupos que buscam rent-seeking institucionalizam essa tend�ncia de parasitismo a partir do Estado�, afirma.
Embora a busca por renda pol�tica seja inevit�vel, h� formas de diminuir o tamanho, intensidade, magnitude e extens�o do fen�meno. Entre as solu��es, Carazza aponta menos burocracia, um sistema tribut�rio horizontal (sem al�quotas ou regimes diferenciados para determinados setores), veda��o a qualquer tipo de Refis (ren�ncias fiscais) e uma revis�o completa de esquemas de subs�dios e outros gastos tribut�rios setoriais. �Quanto ao processo de concep��o de pol�ticas p�blicas e regula��o, necessitamos de avalia��es pr�vias, um processo legislativo transparente (inclusive quanto �s atividades de lobby) e reavalia��es peri�dicas de implementa��o e impacto�, diz.
Gianturco repete a receita: liberalizar, privatizar, desregular, desburocratizar. O maior problema dessa agenda, contudo, � simples: ela representa tudo a que os grupos de interesses costumam se opor no Congresso Nacional.
Publicado originalmente em Gazeta do Povo, em 06 de junho de 2019
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